No dia 22 de Abril, Dia da Terra, o jornal Público traz um suplemento relacionado com o tema, com diversos textos interessantes. Destes seleccionei três que passo a transcrever e que servem para reflectirem sobre o estado em que se encontra o nosso planeta e sobre o que Portugal tem feito ultimamente no sector energético e sobre o que deve ser feito para melhorar a situação.
Dia da Terra: 2009, Um ano decisivo
Em 1994, a Agência Internacional de Energia (AIE) traçava um cenário preocupante para o futuro. O consumo mundial de energia primária aumentaria 48 por cento até 2010, em relação a 1991. E os combustíveis fósseis continuariam a reinar como fonte principal do bem-estar humano. Como consequência, as emissões de dióxido de carbono – o vilão do aquecimento global – subiriam 50 por cento.O futuro de que então se falava já é hoje. No balanço mais recente da AIE, publicado no ano passado, um dado até parece positivo: o consumo não subiu tanto assim, registando 34 por cento de aumento entre 1990 e 2006. Mas, de resto, estamos hoje tão insustentáveis como no princípio da década de 1990. A contribuição dos combustíveis fósseis – petróleo, carvão e gás natural – está rigorosamente na mesma: 81 por cento do consumo energético global. E as chamadas “novas renováveis” – como os parques eólicos e os painéis solares – pesam menos de um por cento do total. Pela tendência actual, alerta a AIE, a atmosfera terá no futuro uma tal concentração de gases com efeito de estufa que a temperatura da Terra poderá, teoricamente, aumentar em 6 graus Celsius. Para o problema das alterações climáticas, 2009 não é um ano qualquer. Em Dezembro, a comunidade internacional vai reunir-se em Copenhaga para discutir um caminho mais firme para conter a escalada das emissões de gases com efeito de estufa. Por agora, o mundo agarra-se ao Protocolo de Quioto, um tratado de 1997 que obriga os países desenvolvidos a fazerem um esforço, embora insufi ciente, para reduzir as suas emissões até 2012. O que estará sobre a mesa em Copenhaga é o que fazer depois disso. E como se conseguirão envolver os maiores poluidores do mundo – entre eles países em desenvolvimento, como a China, Índia, Brasil e outros – num esforço realmente efectivo para se abaterem as emissões. Na história das últimas duas décadas, há animadores casos de sucesso, outros nem tanto. Fica uma certeza: nunca a preocupação com a energia esteve tão disseminada na sociedade como agora. É um passo. (Publico, 22.04.09)
Energia: Parques eólicos são o rosto das novas renováveis
A eólica começou devagar mas agora produz 11 por cento da electricidade consumida no país. Um sucesso que é seguido de longe por outras formas de energia renovável.As três enormes pás, com 39,5 metros de comprimento, aguardam, lado a lado, para ser içadas. A grua gigante está pronta e espera por uma trégua do vento para erguê-las a uma altura de 81 metros, onde serão ligadas ao eixo de rotação, lá no alto da torre de betão e aço. Dentro de dias Portugal terá a funcionar mais um parque eólico. Se tudo correr bem, até ao fi nal desta semana os três aerogeradores do parque dos Milagres, do consórcio Eneop-Eólicas de Portugal, vão estar ligados à rede, suprindo energia limpa e renovável sufi ciente para abastecer duas mil habitações. Na paisagem semirural de Sobral de Monte Agraço – entre vinhas, aldeias e uma autoestrada, mesmo ao lado de Lisboa – vão somar-se a dezenas de outras máquinas que têm vindo a ser instaladas progressivamente na região. Os parques eólicos são a cara das novas energias renováveis em Portugal. Até ao final do ano passado, havia já 1604 aerogeradores instalados e mais 355 em construção em todo o país, segundo o mais recente balanço feito pelo Inegi-Instituto de Engenharia Mecânica e Gestão Industrial. No total, são quase 3600 megawatts (MW) de potência, o que equivale a duas centrais térmicas como a de Sines – a maior do país. A eólica começou devagar, com os primeiros projectos comerciais no princípio dos anos 1990. Sofreu um primeiro impulso em 1995, mas o maior empurrão veio em 2001, quando o Governo fi xou uma tarifa mais favorável para quem vende electricidade produzida pelo vento. Nesse ano, a capacidade instalada em parques eólicos duplicou, chegando aos 1000 MW. Em 2007, já tinha duplicado novamente, para mais de 2000 MW. No ano passado, a energia eólica produziu 11 por cento da electricidade consumida em Portugal. Em 2000, não ia além de 0,4 por cento. Agora, a energia eólica está a entrar em mais uma fase adicional de optimismo. Desde 2008, Portugal passou de importador a produtor de aerogeradores, com a instalação de um cluster industrial em Viana do Castelo. “É um marco fundamental na energia eólica em Portugal”, avalia Álvaro Rodrigues, especialista do Inegi. Incluídas no contrato do Estado com a Eneop – um consórcio que envolve a alemã Enercon e quatro empresas portuguesas (EDP, Finerge, Generg e Térmica Portuguesa) – as fábricas de Viana já produzem as torres, as pás e os geradores eléctricos que estão a ser montados, por exemplo, em Sobral de Monte Agraço. São máquinas completamente diferentes das primeiras que foram montadas em Portugal. Um aerogerador de 1985 tinha 30 kilowatts de potência e um rotor com 15 metros de diâmetro. Hoje, as máquinas de Sobral de Monte Agraço – que nem são as maiores do mercado – têm quase 70 vezes mais potência, gerada por uma hélice com 82 metros de diâmetro, superior à envergadura de um Boeing 747. Para transportar cada uma das pás é preciso um camião com 45 metros de comprimento, difícil de manobrar. “Para este parque, tivemos de refazer uma curva de uma estrada nacional”, conta Alexandre Gusmão, da empresa Térmica Portuguesa. Solar e ondas com atrasoO inegável sucesso das eólicas em Portugal está a ser seguido de longe por outras formas de energia renovável. O aproveitamento da energia solar – num país de abundante insolação, para o bem e para o mal – leva anos de atraso. Só agora, com a obrigatoriedade recente de painéis solares para aquecimento em construções novas e com um sistema de empréstimos bancários lançado há meses pelo Governo, é que o mercado começa a aquecer, por enquanto ainda muito timidamente. “Nota-se um sinal positivo: o interesse e a curiosidade das pessoas e, a montante, o facto de aparecerem empresas, seja na produção ou na comercialização, a actuar no mercado”, afirma Nuno Ribeiro da Silva, presidente da Sociedade Portuguesa de Energia Solar (SPES). Já a produção eléctrica por via solar saiu do estado zero no país mas contribui ainda com uma parte ínfima do consumo nacional – 0,07 por cento em 2008. Duas grandes centrais fotovoltaicas foram inauguradas no Alentejo – em Serpa e Moura. Mas Nuno Ribeiro da Silva não vê a ideia com bons olhos, dizendo que, para o solar fotovoltaico, a melhor aposta é a produção descentralizada, junto dos consumidores – por exemplo, nos próprios edifícios. “Meter as renováveis numa lógica de concentração, de monocultura de painéis fotovoltaicos, é [como uma pessoa] desperdiçar numa única jogada de casino todo o seu pecúlio”, compara. Em alguns domínios, as renováveis fizeram mais barulho do que trouxeram resultados. O parque das ondas da Aguçadoura, em instalação ao largo da Póvoa do Varzim, tem convalescido do seu próprio pionieirismo mundial, sucessivamente louvado. Problemas técnicos impediram-no até agora de funcionar. Noutros tem havido avanços, mas mais silenciosos, como no aproveitamento da biomassa para produção eléctrica – que já supre três por cento do consumo do país. Enquanto não chegam soluções efectivas para outros sectores cruciais na área da energia, especialmente nos transportes, a eólica continuará a ser o carrochefe das renováveis no país. A crise fi nanceira está a ter algum impacto, dado que um parque eólico requer um elevado investimento logo no princípio do projecto. “A crise tem dado algumas machadadas. As condições de fi nanciamento hoje não são como eram no passado”, afi rma Aníbal Fernandes, presidente da Eneop. Mas ninguém duvida que Portugal atinja a meta dos 5100 MW de potência instalada, como fi xara o Governo, ainda que com um ligeiro atraso em relação à data inicialmente prevista: 2010. A isto somar-se-ão reforços dos parques já existentes, elevando ainda mais o parque eólico nacional. Enquanto houver vento, por aí estamos bem. (Público, 22.04.09)
Editorial
Dia da Terra: A nossa vida tem de mudar
Dia da Terra: A nossa vida tem de mudar
Há 25 anos discutia-se em Portugal a construção de uma central nuclear. A aprovação do projecto esteve por um fio num épico Conselho de Ministros onde o então ministro da Qualidade de Vida, Francisco Sousa Tavares, levou a melhor sobre o ministro da Indústria, Veiga Simão. Dois titãs num executivo que ainda hoje é muito injustamente apreciado, o do Bloco Central.O país discutiu na altura, com profundidade e grande repercussão na opinião pública, um Plano Energético que, numa época em que algumas das renováveis hoje operacionais eram apenas quimeras, já colocava o dedo na ferida: o país necessitava de apostar mais na conservação de energia, tinha de investir em energias mais limpas e, sobretudo, era preciso que a economia crescesse a um ritmo mais rápido do que o do consumo de energia.Passados todos estes anos – uma geração – alguns destes problemas continuam em cima da mesa. Introduzimos o gás natural na última década do século passado, mas cometendo alguns erros. Atrasámo-nos demasiado na promoção das energias renováveis – sobretudo na exploração da energia eólica – já que, depois da passagem de Nuno Ribeiro da Silva pelo pelouro da Energia, só voltámos a ter alguém com categoria nesse lugar no final da era de Guterres, com Oliveira Fernandes.Mas se hoje as renováveis são uma espécie de coqueluche do Governo, o único projecto sustentável e capaz de criar um cluster nacional é o eólico.O aproveitamento da energia solar tem conhecido demasiadas hesitações e é duvidoso que a opção por mega-instalações seja a mais adequada. Esteve-se muito tempo sem construir novas barragens e pouco se desenvolveu a área das minihídricas.Há bons projectos de co-geração mas pouco se avançou na micro-geração, para muitos técnicos uma das soluções com mais futuro.O muito que se andou não evitou, contudo, que o ritmo de crescimento do consumo de energia tenha sido, neste período, muito superior ao ritmo de crescimento da riqueza nacional. Ainda hoje o ritmo de crescimento do consumo de energia é superior ao ritmo de crescimento do PIB quando, há 25 anos, a maior parte dos nossos parceiros europeus já tinham conseguido inverter essa tendência.Isto que significa que continuamos a ser pouco eficientes na melhor utilização da energia, em boa parte porque o país depende em demasia do transporte automóvel, quer para as mercadorias, quer para as deslocações particulares, porque a qualidade de construção não melhorou, porque os hábitos de consumo dos portugueses levam-nos a consumir muito mais energia nos inúmeros aparelhos que hoje enchem as suas casas.Tempos de crise como os que hoje atravessamos devem-nos levar a repensar muitos dos hábitos fáceis que adquirimos.Não basta, por exemplo, trocar as lâmpadas normais por lâmpadas de baixo consumo: é necessário fazer como os nossos avós, que apagavam a luz quando saíam da sala. Não chega escolher um frigorífico mais eficaz ou uma televisão mais económica, é necessário aprender a utilizá-los de forma racional. E não se pode continuar a escolher um automóvel sem olhar para os níveis de emissão de CO2.Tudo isto e muito mais tem de ser feito porque nem que colocássemos torres eólicas em todas as cristas das nossas serras e forrássemos o Alentejo de painéis solares produziríamos a energia suficiente para as nossas necessidades. As renováveis são boas, mas não resolvem todos os problemas se mantivermos os nossos actuais hábitos de consumo. É bom não ter ilusões. (José Manuel Fernandes, Público, 22.04.09)
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