sábado, 6 de junho de 2009

O Eldorado de Pascua Lama pode ser um pesadelo ecológico


Hoje apresento-vos um exemplo de conflito de interesses entre a economia (aumento da riqueza e criação de emprego) e o ambiente e as pequenas comunidades locais (contaminação dos recursos hídricos fundamentais para as populações vizinhas). Estou a falar do projecto de exploração mineira de Pascua Lama, nos Andes, na fronteira entre a Argentina e o Chile. Comecem por ler a notícia do jornal Público do dia de hoje (06.06.09) e depois visionem um pequeno vídeo sobre a contestação das populações locais ao projecto.



Toneladas de ouro e prata jazem nos Andes, por baixo de três glaciares essenciais para a vida nos vales. Economia versus ecologia, num cenário de sobrevivência humana em altitude

Algures na fronteira entre o Chile e a Argentina, uma gigantesca reserva de ouro, das maiores do planeta ainda intocadas, começará em breve a ser explorada. Deverá gerar largas centenas de empregos e permitirá à Argentina, que só detém 30 por cento do filão, entrar nos dez primeiros da lista mundial de produtores. Parece um cenário de sonho, mas pode revelar-se um pesadelo ambiental. A futura mina a céu aberto de Pascua Lama, propriedade do grupo canadiano Barrick Gold, recebeu recentemente luz verde da Presidente argentina Cristina Kirchner, mas dezenas de associações da região de Mendoza avançaram de imediato para o Supremo Tribunal, tentando travar o processo. Podem ser os últimos episódios de um folhetim que dura há muitos e longos anos - o Chile, onde se situam 70 por cento dos recursos a explorar, já desbloqueou a situação do seu lado. Para assegurar que a mina avança, Kirchner vetou uma lei do Senado que protege os glaciares - responsáveis, segundo a AFP, por três quartos das reservas hídricas do país. Situada a mais de 4000m de altitude, na região dos Andes, Pascua Lama fica logo abaixo de três glaciares que alimentam toda a economia do vale de Huasco, no Chile, uma das zonas mais desertificadas do país e onde a maioria dos 70 mil habitantes praticam uma agricultura que depende, em muito, das águas que escorrem das montanhas. O que os contestatários, de um e outro lado da fronteira, receiam é a contaminação dos cursos de água com origem nos glaciares. "Para extrair ouro a céu aberto são utilizados explosivos e as poeiras libertadas na montanha vão poluir os recursos hídricos dos vales", explicou à AFP Fernando Solanas, candidato a deputado nas eleições que se realizam no próximo dia 28. Os resíduos em questão incluem enxofre e arsénico, não esquecendo que o processo de separação do ouro implica o tratamento do minério com mercúrio. Mas a Barrick Gold promete ter muito cuidado. De olho nas enormes reservas de cerca de 17,8 milhões de onças (mais de meio milhão de quilos e um valor, segundo a cotação do início do mês, de 12.175 milhões de euros), a empresa quer investir até três mil milhões de euros para garantir a exploração do filão (também rico em prata e cobre) durante os próximos 25 anos. Promete proteger os glaciares e instalar um sistema de gestão da água que evitará quaisquer problemas aos seus utilizadores a jusante. Um último argumento: a mina empregará até 1600 pessoas durante um quarto de século.

Trabalhar em altitude

Embora para um europeu seja quase impossível ter a noção do que é trabalhar a altitudes equivalentes à do pico mais alto da Europa ocidental (o Monte Branco, com 4809m), o cenário de Pascua Lama nem sequer é particularmente excessivo a esse nível. Nos Andes, onde as populações locais estão geneticamente mais apetrechadas para lidar com os fenómenos da rarefacção do ar, há vários exemplos de povoamento a altitudes muito elevadas.A cidade boliviana de Potosi, com mais de 130 mil habitantes e situada a 4090m de altitude, tornou-se conhecida devido ao seu vizinho Cerro de Potosi (4824m), também conhecido por Cerro Rico e do qual se diz ter um núcleo completamente constituído por prata. Todos os dias, milhares de mineiros sobem as encostas para escavar nas entranhas do monte, em condições deploráveis que lhes diminuem severamente a esperança de vida.A mina de Potosi tem sido apontada como a mais elevada do mundo, mas não é verdade. E também não é a mais cruel. No Peru, uma pequena cidade cresceu à sombra do ouro que se extrai dos Andes - chama-se La Rinconada, fica 5100m acima do nível do mar (é o povoamento humano permanente mais alto do mundo) e a sua população disparou neste século para 30 mil habitantes. Não há água canalizada nem saneamento básico e as condições de vida das famílias são deploráveis.Quanto aos mineiros, exercem a sua actividade segundo o sistema denominado cachorreo - trabalham de borla durante 30 dias e ao 31.º podem ficar com todo o minério que conseguirem carregar às costas. Se este não contiver qualquer vestígio de ouro, resta-lhes trabalhar mais 30 dias à espera de nova oportunidade...Perante este cenário, falar dos problemas provocados pela altitude acaba por parecer quase acessório. Mas é fundamental. Fernando Duarte Pereira, professor e investigador da Faculdade de Motricidade Humana (Universidade Técnica de Lisboa), diz que uma altitude a rondar os 4500m "não é proibitiva". No entanto, "o corpo paga sempre o preço": "Só por estar lá, perdemos 20 a 30 por cento da nossa capacidade de trabalho."O especialista português de fisiologia do exercício está envolvido num trabalho conjunto com a Universidade do Chile que aborda questões levantadas pelo Exército (há mancebos recrutados ao nível do mar que depois são colocados em aquartelamentos nos Andes...). E, por isso, acentua a importância de gerir os meios humanos: "Não é possível definir limites rígidos para a capacidade humana de trabalhar em altitude. Depende das pessoas, do tipo de trabalho e da preparação que é dada." Na dúvida, os mineiros dos Andes vão mascando folhas de coca
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Para compreenderem melhor o conflito de interesses descrito na notícia, vejam agora um vídeo documental AGUASI ORONO sobre o projecto mineiro aurífero e binacional Pascua Lama que afectará o vale de Huasco no Chile e a província de San Juan na Argentina.



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