segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

Nunca nasceram tão poucas crianças em Portugal


Nunca nasceram tão poucos bebés em Portugal, pelo menos desde que há dados fiáveis. Em Outubro passado, Rui Vaz Osório, presidente da Comissão Nacional para o Diagnóstico Precoce, já antecipava que em 2009 a natalidade iria cair para um mínimo histórico. Os dados dos "testes do pezinho" indicam agora que as suas previsões mais pessimistas - ficar abaixo da fasquia dos 100 mil nascimentos - só não se confirmaram por pouco.

Os dados provisórios apontam para um total de 100.026 rastreios efectuados em 2009 no Instituto de Genética Médica Jacinto de Magalhães, no Porto - que centraliza as análises das amostras de sangue recolhidas através da picada no calcanhar dos recém-nascidos. São cerca de menos quatro mil do que em 2008. E estes testes constituem um indicador extremamente fiável da natalidade, porque cobrem "99,6 por cento" do total de nascimentos. "Nunca nasceu tão pouca gente em Portugal", lamenta Vaz Osório.

Para o médico, 78 anos, três filhos e seis netos, a quebra da natalidade verificada no ano passado, após a ligeira recuperação de 2008, é vista com grande preocupação. "Era o que temíamos", diz, atribuindo o fenómeno à crise económica, à "desagregação completa do conceito de família" e às "actuais prioridades dos casais".

Há quem não encare este fenómeno com preocupação. A evolução no sentido do declínio dos nascimentos "tem sido consistente" e "estamos em linha com o que se verifica na generalidade dos países europeus", lembra Maria João Valente Rosa, socióloga, especialista em demografia e professora na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa. Os valores têm descido sempre, com ligeiras oscilações, ao longo dos anos. Se se analisar a situação em termos de décadas, a quebra foi abrupta. Até meados dos anos 60, nasciam mais de 200 mil bebés por ano e Portugal era então um país conhecido por ter "descendências numerosas". Agora, sucede o inverso. "Passámos de primeiros por termos muitos [nascimentos] para primeiros por termos poucos", comenta a especialista, que interpreta os dados com optimismo: "São resultado de importantes conquistas sociais".

Saldo pode voltar a negativo

A confirmarem-se, os números não podem ser descontextualizados, porque há aspectos estruturais e conjunturais que os justificam, nota. O peso relativo das mulheres em idade fértil (15 aos 49 anos) tem vindo a diminuir e, simultaneamente, observa-se um adiamento do projecto de maternidade. No início dos anos 80, "tinha-se o primeiro filho, em média, aos 23,5 anos; agora, é aos 28,4", recorda. O que significa que actualmente sobra menos tempo às mulheres para terem filhos. E elas também querem ter menos filhos - o índice sintético de fecundidade (número de filhos por cada mulher em idade fértil) era de 1,37, em 2008, e de 1,33, em 2007, um dos mais baixos da União Europeia.

A crise teve impacto?

Ana Fernandes, demógrafa e docente na Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Nova de Lisboa, acredita que, provavelmente, sim. Recorda o ano 2000, com um fenómeno inverso (um "pico" de nascimentos, mais de 120 mil), como contraponto ao de 2009. "Da mesma maneira que em 2000 o excesso de nascimentos reflectiu o entusiasmo do guterrismo, com estabilidade no emprego, o desapertar do cinto, agora, provavelmente, estamos [a sentir] o inverso. Há contenção e a natalidade ressente-se", comenta.

Os incentivos à natalidade pouco ou nada têm ajudado. "As mulheres sabem melhor do que os governantes o que afecta o nascimento de uma criança: a estabilidade em termos de trabalho, as condições de acolhimento - e as creches são poucas e caríssimas", observa.

"Moderamente optimista", Jorge Malheiros, especialista em migrações e professor no Centro de Estudos Geográficos da Universidade de Lisboa, defende que, mais importante do que o número de nascimentos, é o saldo natural (a diferença entre os que nascem e os que morrem). Se esse saldo foi negativo em 2007, em 2009 pode ter acontecido o mesmo. Uma circunstância que é determinante para o envelhecimento da população portuguesa - e Portugal já é o oitavo país mais envelhecido do mundo, de acordo com um recente relatório da Organização das Nações Unidas.

A imigração é que poderá atenuar o efeito deste fenómeno, sublinha Jorge Malheiros. Os imigrantes em idade fértil tendem a ter mais filhos e, como são mais jovens, morrem menos.

Fonte: http://www.publico.pt/Sociedade/nunca-nasceram-tao-poucas-criancas-em-portugal_1418346

1 comentário:

Anónimo disse...

Esta notícia veio ainda mais preocupar-me em relação a esta situação quase crítica no nosso país! A verdade é que cada vez mais nascem MENOS bebés cá no nosso país o que será muito mau para um futuro próximo; o país ficará envelhecimento (facto já notório no nosso quotidiano) e, como há menos população jovem activa, não há muito quem desconte para a segurança social para garantir as reformas dos actuais reformados...