Nunca nasceram tão poucos bebés em Portugal, pelo menos desde que há dados fiáveis. Em Outubro passado, Rui Vaz Osório, presidente da Comissão Nacional para o Diagnóstico Precoce, já antecipava que em 2009 a natalidade iria cair para um mínimo histórico. Os dados dos "testes do pezinho" indicam agora que as suas previsões mais pessimistas - ficar abaixo da fasquia dos 100 mil nascimentos - só não se confirmaram por pouco.
Os dados provisórios apontam para um total de 100.026 rastreios efectuados em 2009 no Instituto de Genética Médica Jacinto de Magalhães, no Porto - que centraliza as análises das amostras de sangue recolhidas através da picada no calcanhar dos recém-nascidos. São cerca de menos quatro mil do que em 2008. E estes testes constituem um indicador extremamente fiável da natalidade, porque cobrem "99,6 por cento" do total de nascimentos. "Nunca nasceu tão pouca gente em Portugal", lamenta Vaz Osório.
Para o médico, 78 anos, três filhos e seis netos, a quebra da natalidade verificada no ano passado, após a ligeira recuperação de 2008, é vista com grande preocupação. "Era o que temíamos", diz, atribuindo o fenómeno à crise económica, à "desagregação completa do conceito de família" e às "actuais prioridades dos casais".
Há quem não encare este fenómeno com preocupação. A evolução no sentido do declínio dos nascimentos "tem sido consistente" e "estamos em linha com o que se verifica na generalidade dos países europeus", lembra Maria João Valente Rosa, socióloga, especialista em demografia e professora na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa. Os valores têm descido sempre, com ligeiras oscilações, ao longo dos anos. Se se analisar a situação em termos de décadas, a quebra foi abrupta. Até meados dos anos 60, nasciam mais de 200 mil bebés por ano e Portugal era então um país conhecido por ter "descendências numerosas". Agora, sucede o inverso. "Passámos de primeiros por termos muitos [nascimentos] para primeiros por termos poucos", comenta a especialista, que interpreta os dados com optimismo: "São resultado de importantes conquistas sociais".
Saldo pode voltar a negativo
A confirmarem-se, os números não podem ser descontextualizados, porque há aspectos estruturais e conjunturais que os justificam, nota. O peso relativo das mulheres em idade fértil (15 aos 49 anos) tem vindo a diminuir e, simultaneamente, observa-se um adiamento do projecto de maternidade. No início dos anos 80, "tinha-se o primeiro filho, em média, aos 23,5 anos; agora, é aos 28,4", recorda. O que significa que actualmente sobra menos tempo às mulheres para terem filhos. E elas também querem ter menos filhos - o índice sintético de fecundidade (número de filhos por cada mulher em idade fértil) era de 1,37, em 2008, e de 1,33, em 2007, um dos mais baixos da União Europeia.
A crise teve impacto?
Ana Fernandes, demógrafa e docente na Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Nova de Lisboa, acredita que, provavelmente, sim. Recorda o ano 2000, com um fenómeno inverso (um "pico" de nascimentos, mais de 120 mil), como contraponto ao de 2009. "Da mesma maneira que em 2000 o excesso de nascimentos reflectiu o entusiasmo do guterrismo, com estabilidade no emprego, o desapertar do cinto, agora, provavelmente, estamos [a sentir] o inverso. Há contenção e a natalidade ressente-se", comenta.
Os incentivos à natalidade pouco ou nada têm ajudado. "As mulheres sabem melhor do que os governantes o que afecta o nascimento de uma criança: a estabilidade em termos de trabalho, as condições de acolhimento - e as creches são poucas e caríssimas", observa.
"Moderamente optimista", Jorge Malheiros, especialista em migrações e professor no Centro de Estudos Geográficos da Universidade de Lisboa, defende que, mais importante do que o número de nascimentos, é o saldo natural (a diferença entre os que nascem e os que morrem). Se esse saldo foi negativo em 2007, em 2009 pode ter acontecido o mesmo. Uma circunstância que é determinante para o envelhecimento da população portuguesa - e Portugal já é o oitavo país mais envelhecido do mundo, de acordo com um recente relatório da Organização das Nações Unidas.
A imigração é que poderá atenuar o efeito deste fenómeno, sublinha Jorge Malheiros. Os imigrantes em idade fértil tendem a ter mais filhos e, como são mais jovens, morrem menos.
Fonte: http://www.publico.pt/Sociedade/nunca-nasceram-tao-poucas-criancas-em-portugal_1418346
Os dados provisórios apontam para um total de 100.026 rastreios efectuados em 2009 no Instituto de Genética Médica Jacinto de Magalhães, no Porto - que centraliza as análises das amostras de sangue recolhidas através da picada no calcanhar dos recém-nascidos. São cerca de menos quatro mil do que em 2008. E estes testes constituem um indicador extremamente fiável da natalidade, porque cobrem "99,6 por cento" do total de nascimentos. "Nunca nasceu tão pouca gente em Portugal", lamenta Vaz Osório.
Para o médico, 78 anos, três filhos e seis netos, a quebra da natalidade verificada no ano passado, após a ligeira recuperação de 2008, é vista com grande preocupação. "Era o que temíamos", diz, atribuindo o fenómeno à crise económica, à "desagregação completa do conceito de família" e às "actuais prioridades dos casais".
Há quem não encare este fenómeno com preocupação. A evolução no sentido do declínio dos nascimentos "tem sido consistente" e "estamos em linha com o que se verifica na generalidade dos países europeus", lembra Maria João Valente Rosa, socióloga, especialista em demografia e professora na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa. Os valores têm descido sempre, com ligeiras oscilações, ao longo dos anos. Se se analisar a situação em termos de décadas, a quebra foi abrupta. Até meados dos anos 60, nasciam mais de 200 mil bebés por ano e Portugal era então um país conhecido por ter "descendências numerosas". Agora, sucede o inverso. "Passámos de primeiros por termos muitos [nascimentos] para primeiros por termos poucos", comenta a especialista, que interpreta os dados com optimismo: "São resultado de importantes conquistas sociais".
Saldo pode voltar a negativo
A confirmarem-se, os números não podem ser descontextualizados, porque há aspectos estruturais e conjunturais que os justificam, nota. O peso relativo das mulheres em idade fértil (15 aos 49 anos) tem vindo a diminuir e, simultaneamente, observa-se um adiamento do projecto de maternidade. No início dos anos 80, "tinha-se o primeiro filho, em média, aos 23,5 anos; agora, é aos 28,4", recorda. O que significa que actualmente sobra menos tempo às mulheres para terem filhos. E elas também querem ter menos filhos - o índice sintético de fecundidade (número de filhos por cada mulher em idade fértil) era de 1,37, em 2008, e de 1,33, em 2007, um dos mais baixos da União Europeia.
A crise teve impacto?
Ana Fernandes, demógrafa e docente na Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Nova de Lisboa, acredita que, provavelmente, sim. Recorda o ano 2000, com um fenómeno inverso (um "pico" de nascimentos, mais de 120 mil), como contraponto ao de 2009. "Da mesma maneira que em 2000 o excesso de nascimentos reflectiu o entusiasmo do guterrismo, com estabilidade no emprego, o desapertar do cinto, agora, provavelmente, estamos [a sentir] o inverso. Há contenção e a natalidade ressente-se", comenta.
Os incentivos à natalidade pouco ou nada têm ajudado. "As mulheres sabem melhor do que os governantes o que afecta o nascimento de uma criança: a estabilidade em termos de trabalho, as condições de acolhimento - e as creches são poucas e caríssimas", observa.
"Moderamente optimista", Jorge Malheiros, especialista em migrações e professor no Centro de Estudos Geográficos da Universidade de Lisboa, defende que, mais importante do que o número de nascimentos, é o saldo natural (a diferença entre os que nascem e os que morrem). Se esse saldo foi negativo em 2007, em 2009 pode ter acontecido o mesmo. Uma circunstância que é determinante para o envelhecimento da população portuguesa - e Portugal já é o oitavo país mais envelhecido do mundo, de acordo com um recente relatório da Organização das Nações Unidas.
A imigração é que poderá atenuar o efeito deste fenómeno, sublinha Jorge Malheiros. Os imigrantes em idade fértil tendem a ter mais filhos e, como são mais jovens, morrem menos.
Fonte: http://www.publico.pt/Sociedade/nunca-nasceram-tao-poucas-criancas-em-portugal_1418346
1 comentário:
Esta notícia veio ainda mais preocupar-me em relação a esta situação quase crítica no nosso país! A verdade é que cada vez mais nascem MENOS bebés cá no nosso país o que será muito mau para um futuro próximo; o país ficará envelhecimento (facto já notório no nosso quotidiano) e, como há menos população jovem activa, não há muito quem desconte para a segurança social para garantir as reformas dos actuais reformados...
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