sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

E se o sismo de ontem tivesse sido em terra?

Destruição provocada pelo sismo de Benavente em 1909



Se o sismo ocorrido na madrugada de ontem ao largo de Portugal continental, a cerca de 100 quilómetros a sudoeste do cabo de São Vicente, tivesse sido em terra, teria havido danos? Sim, é a resposta peremptória dos especialistas em sismologia.

E têm um exemplo na ponta da língua em que baseiam esta especulação científica: o sismo de 1909, com o epicentro em Benavente. Tanto este sismo como o que ocorreu às 1h37 de ontem tiveram a mesma magnitude de seis na escala de Richter. Ou seja, libertaram a mesma energia durante a ruptura da crosta terrestre (é isso que faz a terra tremer), sendo considerados como moderados a fortes.

"O sismo de 1909 dá uma ideia do que o sismo de hoje [ontem] podia ter sido. Provocou dezenas de mortos e muitos danos", refere Fernando Carrilho, director do Departamento de Sismologia do Instituto de Meteorologia (IM). "Se tivesse sido em terra, temos o exemplo do sismo de 1909, com a destruição completa das zonas habitadas em Benavente e Salvaterra de Magos", diz também o geofísico José Fernando Borges, do Centro de Geofísica de Évora.

Enquanto o abalo de ontem não matou ninguém nem provocou danos materiais, o de 23 de Abril de 1909, quando eram 17h05, deixou parte do Ribatejo arrasado e foi sentido em todo o país. Também Samora Correia e Santo Estêvão ficaram destruídas.

Um testemunho de quem viveu essa catástrofe, referido num trabalho do Museu Municipal de Benavente, dá bem conta da violência do fenómeno, que não deixou uma única casa sem necessidade de reparações na vila: "Tinha acabado de jantar e, conforme os meus hábitos, deitara-me um pouco a ler os jornais. Pouco depois das cinco horas senti uma violenta sacudidela, tão grande que me pareceu que a casa se partia. Vim a rolar no meio do quarto. Levantei-me de um salto. Em seguida senti outro estremeção mais forte e foi então que tive a noção exacta do que era um abalo de terra. Vejo as paredes fenderem-se de alto a baixo. Os vidros das janelas fazem-se em estilhas. Ouço um ruído enorme, seco, profundo, um estrondo subterrâneo que não se descreve."

Assim que esta testemunha do sismo mais destruidor do século XX em Portugal continental fugiu para a rua, viu a sua casa ruir. "Na minha frente outras casas se desmoronam. Nuvens colossais de poeira elevam-se nos ares. Sinto-me asfixiado. Quero fugir e não posso." Só na vila, no momento da catástrofe, morreram 30 pessoas e 38 ficaram feridas, segundo o museu.

Na madrugada de ontem, a crosta terrestre rompeu-se suficientemente longe da costa para que a tragédia passasse ao lado. Mas muitos foram aqueles que sentiram o chão a mexer-se, de norte a sul. Durante a manhã, mais de duas mil pessoas já tinham preenchido o inquérito que o IM tem na Internet sobre os efeitos sentidos.

O sismo foi sentido à volta de oito segundos, embora a duração dependa de factores como o tipo de solos, construção ou altura dos edifícios. Há relatos que vão até aos dez segundos.

Foi mais sentido no Algarve. Na escala modificada de Mercalli (que mede os estragos num determinado sítio, indo de I a XII), a intensidade atingida em Lagos e Portimão foi V. Tal significa que o sismo sentiu-se mesmo na rua, que acordou as pessoas, agitou líquidos em repouso, derrubou pequenos objectos, fez abrir e fechar portas e parou ou acelerou relógios de pêndulo. Para Lisboa, a intensidade foi IV, mas é provável que suba para V nalguns locais, refere Carrilho.

Perto da costa causa danos

A zona onde ocorreu o sismo, a uma profundidade de 30 quilómetros no interior da crosta, é uma velha conhecida dos cientistas pela sua actividade sísmica. Ali, na margem Oeste e Sul de Portugal continental fica a fronteira entre as placas tectónicas euroasiática e africana. E elas estão em colisão, à velocidade de quatro milímetros por ano, o que gera sismicidade.

Falhas tectónicas activas não faltam naquela zona - como a Ferradura, a sul do epicentro do sismo, ou a do Marquês de Pombal, a noroeste. Mas é prematuro associar uma destas falhas ao sismo, que teve uma certa profundidade. "Pode haver uma falha pré-existente em profundidade e não haver vestígios à superfície. Esta zona é de grande complexidade tectónica", diz Fernando Carrilho. Sismos como o que destruiu Lisboa em 1755 - com 8,7 e 8,8 de magnitude, um dos maiores de que há memória na Terra - foram gerados naquela região. "Os principais sismos que afectaram o nosso território tiveram praticamente todos origem nesta zona", resume Carrilho.

Com a magnitude que atingiu, o sismo de ontem é o maior desde o de 1969, com magnitude entre 7,3 e 7,8 e também no mar, na mesma região de fronteira de placas. Apesar da energia libertada então, não houve danos de relevo, à excepção de algumas casas danificadas no Algarve. Outro exemplo de um sismo em terra (ou perto) com danos é o de 1998, nos Açores. Também com magnitude seis, e epicentro a menos de dez quilómetros do Faial, matou oito pessoas e feriu 150.

Mas um sismo como o de ontem não tem de ser em terra para causar destruição. "Um sismo de magnitude seis a 20 quilómetros da costa já seria capaz de provocar danos", sublinha Carrilho. "A libertação dessa quantidade de energia numa zona mais próxima das populações teria um impacto maior. Com a distância, a energia sísmica diminui." Também José Borges não hesita em responder que a 20 quilómetros haveria danos: "Seguramente que sim."

Fonte: http://www.publico.pt/Sociedade/e-se-o-sismo-de-ontem-tivesse-sido-em-terra_1414469

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